Muito comuns para quaisquer crianças, os episódios de comportamentos desafiadores, também conhecidos por birras, podem se estender por toda extensão da vida quando falamos em pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e, ao contrário do que se acredita, esses comportamentos, em sua grande maioria, tratam-se de tentativas de comunicar aos familiares sensações como frustração, dores ou também incômodos.

Devido a isso, se dá a enorme importância em saber como agir durante as crises de birra de forma adequada.

Além de poder guiar esses eventos de maneira mais calma e segura, ao estar pronto de antemão, você poderá contribuir com novas maneiras de essas emoções serem expressadas, beneficiando tanto a criança que possui ou não o espectro, como toda sua rede de convivência. Saiba mais: 

Entendendo a fonte das birras e porque elas acontecem com mais frequência na infância

Em primeiro lugar, é importante entendermos do que as birras se tratam verdadeiramente, afinal, em nossa cultura, muitos mitos ainda entornam esse tema. De acordo com indicações da profissional Leilane Rocha (psicóloga), existe uma lista de itens do que as pessoas, em maior parte, ainda acreditam serem as birras. Entre as principais estão: 

– Manipulação por parte da criança; 

– Falta de castigos; 

– Manha ou mimo excessivo; 

– Rebeldia; 

– Falta de imposição por parte dos pais, responsáveis e/ou cuidadores. 

Apesar disso, a realidade que cercam as birras são bem diferentes e precisam da nossa especial atenção e conhecimento.

Acompanhe agora o que de fato as birras representam:

– Imaturidade cerebral (em maior parte dos episódios); 

– Cansaço físico; 

– Fome; 

– Sono; 

– Insegurança; 

– Raiva; 

– Sensação de rejeição; 

– Medo; 

– Dor; 

– Excesso de estímulos; 

– Estresse. 

Tão importante quanto conhecer essas informações é aprender que as birras não se tratam de episódios limitados a um grupo determinado de crianças, mesmo quando falamos daquelas que não possuem o espectro autista, pois elas se baseiam em um comportamento universal quando tratamos dessa fase da vida.

“O cérebro infantil libera cortisol e adrenalina, o que leva a criança a agir com raiva, crises de choro, gritos e arremessos de objetos.” Afirma Leilane.

Em crianças pequenas, por exemplo, isso acontece inteiramente porque a região cerebral responsável pela capacidade que temos de nos autocontrolar ainda não está formada, assim, a emoção é que dita como a criança irá agir, tornando essencial o auxílio de um adulto que já possui um cérebro totalmente desenvolvido para ensinar-lhe como agir.

 Se com toda a capacidade cerebral para lidar com situações adversas, nós adultos ainda nos descontrolamos, às vezes, diante de situações indesejadas, imagine o quão desafiador isso pode ser para uma criança? 

Veja ainda: Conhecendo mais sobre o projeto “Family on Board”

Mas então, qual a melhor forma de auxiliar nesses momentos de crise?

Inicie evitando hábitos insustentáveis 

Evite hábitos insustentáveis. Ao fazer isso você diminui motivações de futuras birras.

É muito comum que por falta de conhecimento e ansiedade, uma família ao se deparar com o espectro autista, volte toda a sua rotina para atender as necessidades da criança de forma sempre imediata. Em um primeiro momento isso pode parecer não ter nada de errado, muito pelo contrário, apesar disso, essas ações geralmente torna-se ciclos insustentáveis posteriormente. 

Acontece que, com o tempo, as práticas imediatistas tornam-se padrões e a longo prazo, muito mais difíceis de serem modificados. 

As consequências disso?

O aumento do nível de estresse da pessoa com TEA, bem como a limitação de oportunidades sadias de convivência social que teria.

Além disso, a negligência em atender as crises de birra da maneira adequada pode ainda trazer consequências mais agravantes. Algumas delas são:

– A limitação de experiências que ocasionariam aprendizados importantes para a criança;

– A exclusão ou diminuição de oportunidades em participar de atividades salutares como a interação com outras crianças, podendo dificultar no futuro o ingresso à vida acadêmica e no mercado de trabalho; 

– Estafa física, lesões, e dores como consequência de comportamentos envolvendo o autoflagelo; 

– A interrupção do desenvolvimento acadêmico do indivíduo. 

Existem do mesmo modo efeitos que afetam à família. Incluindo:

– O isolamento social; 

– Ansiedade e/ou mesmo depressão em avós, pais e irmãos; 

– Menor ou nenhum tempo para dar atenção a outras responsabilidades;

– Problemas financeiros por constantes danos físicos à criança, danos materiais, ou ainda pela necessidade que um dos responsáveis pause por completo suas atividades de trabalho, mesmo que sejam essenciais para a renda da família. 

Observe comportamentos 

Fora saber lidar com as birras e conhecer o impacto que elas trazem para a vida das pessoas com TEA e sua família, do mesmo modo é relevante conhecer a intensidade e frequência com que elas acontecem, porém, é muito comum que variem de uma pessoa para outra.

No entanto, existem alguns movimentos comuns entre autistas em frustração; Tais como: 

– O morder-se; 

– Morder as próprias roupas; 

– Puxar os cabelos; 

– Correr de um lado para o outro no ambiente; 

– Bater objetos contra o chão, paredes ou outro objeto, etc. 

Apesar de, em geral, muitos considerarem ainda comportamentos assim como inapropriados, é preciso entender o porquê da criança sentir a necessidade de fazê-lo e, em seguida, auxiliá-la para que possa desenvolver suas habilidades para a comunicação, de maneira que no futuro, consiga de outras formas, demonstrar o que necessita, como por exemplo, uma pausa em uma atividade. 

Comportamentos desafiadores podem muitas vezes demonstrar que a criança necessita de pausar em uma atividade. ( Na foto, uma mesa de atividades com letras em madeira).

Fique atento! 

Observe constantemente às possíveis sensações de dor e desconforto que o autista possa ter, por vezes um comportamento específico, principalmente de grau mais desafiador pode ser confundido com mal comportamental e regressão.

De mesmo modo deve acontecer em visitas médicas!

Há ainda, infelizmente, espaços que ao serem informados de que o paciente está no espectro autista, limitam ou ainda descartam diagnósticos mais específicos, resumindo os relatos trazidos pelos familiares somente como um episódio de descontrole. 

Em casos em que o autista possui linguagem limitada que dificulta que ele próprio descreva o que está sentindo, é preciso manter o foco e instintos em alerta para conseguir interpretar o que está havendo e prestar o melhor socorro possível. Por isso, busque por uma boa equipe de profissionais da saúde!

Principais profissionais da saúde para o desenvolvimento da criança 

Uma equipe composta de diferentes profissionais é indispensável para garantir a melhor qualidade de vida ao indivíduo com TEA!

Entre esses especialistas podemos citar:

  • Terapeutas comportamentais;
  • Educadores;
  • Fonoaudiólogos;
  • Fisioterapeutas e outros. 

O contato e atualizações sobre os progressos feitos e em andamento devem ser constantes entre esses profissionais e a família. Lembrando que a frequência de encontros e tratamentos realizados para cada pessoa, pode e costuma variar. 

Além destes, é primordial que o autista disponha também, durante toda sua vida de um acompanhamento específico feito por um médico, para que a evolução e necessidades de cada fase sejam acompanhadas constantemente.

Frequentemente devem ser feitas visitas ao especialista que acompanha o indivíduo com TEA para que os progressos feitos sejam analisados e contabilizados

No caso das crianças, quem exerce esse papel é o pediatra. Do mesmo modo, adultos recebem esse auxílio, que costuma vir de um clínico geral ou geriatra com experiência no espectro.

Veja também: Gestação do segundo filho depois do diagnóstico do autismo 

Com a equipe multidisciplinar, analise os principais motivadores das birras 

Juntamente com a família, a equipe de profissionais envolvidos pode identificar e listar, após ser anulada a hipótese de que envolvam questões de saúde, a origem desses comportamentos, assim, pode-se determinar as melhores formas de lidar com essas situações, reforçando sempre condutas positivas.

Para isso, é interessante que a família, junto da equipe multidisciplinar, se pergunte:

– É possível identificar uma causa específica para grande maioria das crises?

 – Qual ou quais comportamentos se dão nesses momentos? 

– Qual ou quais são as principais consequências? 

Lembrando primeiramente que mudanças na rotina e inclusão de novas atividades que promovem desafios, por natureza tendem a ocasionar crises. 

Após reunir essas informações, poderão ser escritas e direcionadas as melhores estratégias para ajudar a pessoa TEA. 

Montando o plano de crise para a rede de apoio do autista 

Além das terapias indicadas é primordial contar com um plano de crise. Conhecendo os gatilhos, fica mais simples estruturar estratégias individualizadas de auxílio.

Depois que você puder contar com uma equipe multidisciplinar, inicie um plano de crise para o autista e sua rede de apoio afim de diminuir as birras. (Na foto, moça faz anotações).

Mesmo que as crises iniciem inesperadamente em algumas ocasiões, o mais comum é observar os níveis de agitação aumentando de maneira gradual.

É possível desenvolver com o tempo e observação, habilidades que ajudem a reconhecer os sinais de que um comportamento está se intensificando para que seja possível intervir antes da situação sair do controle.

Nesse sentido, existem alguns pontos que devem ser incluídos em um plano de crise completo. São eles:

– Uma listagem de eventos, acionadores ou sinais que indicam que uma crise pode ser iniciada; 

– Estratégias que costumam funcionar para manter a pessoa e os que estiverem ao redor em segurança, (podendo dividir por exemplo, como agir em casa ou também em locais abertos e com mais pessoas como é o caso de shoppings, praças, igreja ou escola); 

– Procedimentos de intervenção e suas etapas para minimizar o comportamento conforme agitação apresentada; 

– Coisas que não devem ser feitas ou do contrário irão piorar a situação;

– Contato de emergência para cada situação (como exemplo, telefone dos pais e quando os contatar por primeiro, telefone do pediatra, avós e assim por diante). 

Veja mais: Descobrindo o autismo: Nossa experiência!

Plano de crise otimizado para autistas adultos 

Se a pessoa com TEA já estiver em fase adulta e tiver um cotidiano mais independente, é indicado, que carregue sempre consigo uma carteirinha ou cartão com informações básicas sobre o espectro autista, além de como uma pessoa pode agir para ajudar em determinadas situações e pelo menos dois contatos telefônicos.

Reagindo às birras na prática 

São três as principais maneiras de reagir às condutas desafiadoras:

1- Ignorar 

Ignorar, não cedendo ao comportamento que você está tentando modificar. Como consequência dessa prática, a criança não conseguirá o que deseja agindo de forma desafiadora. 

Nesse ponto, certifique sempre de lhe atender e agir de maneira positiva diante de condutas tranquilas, assim você o incentivará a repetir esse comportamento e ainda despertará confiança. 

Em momentos em que, ao ignorar, você observa o agravamento da conduta inadequada, mantenha-se firme, porém, garanta que a segurança do indivíduo com TEA e dos que estão em sua volta seja preservada. 

2- Redirecionar 

Dar uma nova direção a uma situação de potencial desafiador com segurança, pode ser uma ferramenta muito poderosa para seu cotidiano, já que lhe permitirá direcionar a pessoa com TEA de forma mais branda e positiva.

Ao redirecionar o início de uma birra, você evitará que o quadro se agrave, e mesmo que ele aconteça, poderá ser muito mais calmo.

Dica especial!

Certifique-se nesses momentos de criar uma barreira física para que a criança ou mesmo o adulto com TEA não se machuque, ou ainda machuque outros, caso perceba que seja necessário.

Ao agir assim, você estará enviando uma resposta e apesar de não ignorar, também não estará cedendo!

3 – Remover 

Apesar do castigo com isolamento, bastante praticado na infância em geral com áreas delimitadas, não ser completamente descartado na criação de indivíduos com TEA, indica-se, para se obter melhores resultados, a perda do acesso a objetos e até mesmo atividades que sejam recompensadoras ao autista. Como resultado, a situação negativa será entendida como errada.

Explique, nesse meio tempo, de maneira simples o que está acontecendo e porque a criança não poderá fazer ou ter o que deseja naquele momento e, em seguida, não dê mais atenção, lembrando sempre de atentar-se à necessidade de criar ou não uma barreira física.

Ao passo que a birra ocorrer limite o acesso a objetos ou mesmo atividades que a criança goste, para que entenda que seu comportamento está errado.

Se houver a demanda, assim que a situação se acalmar, libere o espaço e haja como de costume.

Birras devem ser sempre guiadas com calma 

Por mais desafiador que seja na prática, durante uma crise irritadiça, manter a paciência e reduzir os elementos que propiciem o estresse do autista são fundamentais. 

Você pode, por exemplo, levá-lo para uma área mais calma do local em que estejam e que de preferência seja menos barulhenta.

Oferecer um objeto que o agrade para distrair também é uma excelente opção!

Utilize de instruções simples e claras, mantendo sempre a gentileza e dando o tempo e o espaço para que a pessoa consiga assimilar da sua maneira a situação que está ocorrendo ou aconteceu anteriormente. 

Ao perceber que a criança está se esforçando para se controlar, se lembre de elogiá-la.

Saiba o que jamais deve ser feito durante crises de birra 

Falamos muito do que fazer, mas, além disso, é importante estar ciente do jamais deve ser feito ao se deparar com episódios de birras. Nesse sentido, lembre-se sempre que: 

– O comportamento inadequado não deve ser alimentado e o que é pedido dado enquanto a birra acontece;

– Não deve ser mostrado desapontamento ou ira diante do comportamento, pois isso, de nada irá ajudar e ainda poderá agravar a situação e sentimento de frustração da criança;

– Não devem ser feitas ameaças, mesmo em casos isolados em que se espere a calma imediata do autista;

– Jamais deve haver intervenções físicas.

Criar uma barreira é uma coisa, agir de forma agressiva e impulsiva na tentativa de parar um indivíduo em um momento de frustração é outra e não deve ser uma opção!

A única exceção cabe a situações que comprometam a segurança do indivíduo com TEA ou demais pessoas. Aí você poderá segurá-lo, mas sem machucar.

Depois que o autista estiver mais tranquilo, converse sobre o que houve e lhe ensine sobre formas alternativas de agir diante de desafios como o que ele acabou de passar. Ao fazer isso, ajude-o a recapitulando o que aconteceu para que entenda com maior clareza.

Em conclusão, o principal é observar sempre como se dão as birras e conversar com os profissionais envolvidos sobre elas, a fim de preparar a todos para situações semelhantes que possam surgir.   

Afinal, saber como agir, e lembrar-se que o reforço positivo é o ideal, é a melhor solução para uma vida com o espectro com muito mais qualidade, amor e alegria.

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Já pratica o reforço positivo, conta com uma equipe multidisciplinar ou possui um plano de crise para auxiliar sua a pessoa com TEA próxima a você?

Então não deixe de compartilhar conosco nos comentários os progressos que tem feito por aí. Vamos adorar saber!

Referências                                                                                                                                                  

Dra. Márcia Lizanka Oliveira Guberman – Psiquiatra

Instituto NeuroSaber

Autismoerealidade.org

Leiliane Rocha – Psicóloga